quinta-feira, 4 de março de 2010

Conjunção Hebraica "E"

E ou por quê? E ou mas? Com e ou sem e?
Nossas traduções da Bíblia apresentam divergências, conquanto a essência do texto seja uníssona, de modo a não alterar a revelação de Deus, o que pode implicar um conhecimento superficial do texto. Por certo, ninguém deixará de conhecer a Deus em virtude das imperfeições de nossas traduções.
Por exemplo, em uma tradução aparece a conjunção “e”, em outra é omitida, outra apresenta “visto que”. Para o Português essa divergência parece um despautério. No entanto, o hebraico possui suas peculiaridades, como o Português em outras questões. Vejamos um exemplo prático usando o texto de Gn 18.17-19:

Então o SENHOR disse: “Esconderei de Abraão o que estou para fazer? 18 Abraão será o pai de uma nação grande e poderosa, e por meio dele todas as nações da terra serão abençoadas. 19Pois eu o escolhi, para que ordene aos seus filhos e aos seus descendentes que se conservem no caminho do SENHOR, fazendo o que é justo e direito, para que o Senhor faça vir a Abraão o que lhe prometeu”. (NVI)

17 Disse o Senhor: Ocultarei a Abraão o que estou para fazer, 18 visto que Abraão certamente virá a ser uma grande e poderosa nação, e nele serão benditas todas as nações da terra? 19 Porque eu o escolhi para que ordene a seus filhos e a sua casa depois dele, a fim de que guardem o caminho do Senhor e pratiquem a justiça e o juízo; para que o Senhor faça vir sobre Abraão o que tem falado a seu respeito. (ARA)

17 E disse o Senhor: Ocultarei eu a Abraão o que faço,18 visto que Abraão certamente virá a ser uma grande e poderosa nação, e nele serão benditas todas as nações da terra?19 Porque eu o tenho conhecido, que ele há de ordenar a seus filhos e a sua casa depois dele, para que guardem o caminho do Senhor, para agirem com justiça e juízo; para que o Senhor faça vir sobre Abraão o que acerca dele tem falado. (ARC)

17 Aí o Senhor Deus disse a si mesmo: “Não vou esconder de Abraão o que pretendo fazer. 18 Os seus descendentes se tornarão uma nação grande e poderosa, e por meio dele eu abençoarei todas as nações da terra. 19 Eu o escolhi para que ele mande que os seus filhos e os seus descendentes obedeçam aos meus ensinamentos e façam o que é correto e justo. Se eles obedecerem, farei por Abraão tudo o que prometi.” (NTLH)

Iahweh disse consigo: Ocultarei a Abraão o que vou fazer, já que Abraão se tornará uma nação grande e poderosa e por ele serão benditas todas as nações da terra? Pois eu o escolhi para que ele ordene a seus filhos e à sua casa depois dele que guardem o caminho de Iahweh, realizando a justiça e o direito; deste modo Iahweh realizará para Abraão o que lhe prometeu.
Isso acontece por que o hebraico do Antigo Testamento utiliza predominantemente orações simples, ligadas pela conjunção “e”, que traduz o prefixo hebraico וְ ,cuja transliteração é waw ou vav. De forma que a subordinação – orações mais complexas – não é muito usual. Não poucas vezes o hebraico usa a conjunção vav (“e”) para expressar uma relação de subordinação. Esse fenômeno – oração composta por uma relação de coordenação e oração subordinada ligada pela conjunção vav – é denominado parataxe ou estrutura paratática (Gramática Grega, Wallace, p. 657). Logo, as orações hebraicas são caracterizadas pela parataxe. Ou seja, o conectivo “e” é utilizado com o sentido majoritário de mera coordenação aditiva ou associativa de substantivos, conquanto em não poucos casos tenha sentido subordinado.
O insigne mestre, professor Dr. Carlos Osvaldo, assevera em suas elucidativas notas de rodapé:
Tal como acontece no português, em que a palavra “que” desempenha várias funções de subordinação, a conjunção וְ no hebraico desempenha uma grande variedade de papéis, englobando as duas categorias principais, coordenação e subordinação (Fundamentos para Exegese do AT, p. 136).
A citação extraída da obra de Bruce Waltke e M. O’Connor comentando sobre a conjunção vav afirma:
O hebraico bíblico frequentemente liga logicamente orações subordinadas a uma oração principal quer assindetivamente quer, mais frequentemente, sindeticamente com esta conjunção [vav].
Por conseguinte, o vav, frequentemente traduzido por “e”, pode ter outras matizes (Introdução à sintaxe do hebraico bíblico, p. 649).

Abaixo segue uma lista de possibilidades :

Mas >> conjunção adversativa
Ou >> alternativa
Portanto >> conclusiva
Cujo, a quem, o qual >> pronome relativo, aposição
Se >> condicional
Porque, pois >> causal
A fim de que, para que >> final
Embora, não obstante >> concessiva
De modo que, em razão disso, de sorte que >> consecutiva
Como >> comparativa
E >> associativo de substantivos
Isto é, qual seja, a saber >> aposição

O vav também pode significar tão-somente o início de outro parágrafo ou tema independente, como se fosse um sinal de pontuação inicial, um ponto inicial, digamos assim. A propósito, algumas traduções omitem a tradução do vav, denotando que se trata de um novo parágrafo.
É interessante notar que o próprio Novo Testamento Grego escrito por autores influenciados pela cultura hebraica, contém hebraísmos. Isto é, o conectivo grego kai, traduzido por “e”, pode ter as mesmas conotações do hebraico. Nos evangelhos de Mateus e Marcos podem ser observados essas nuanças oriundas do hebraico; em que o “e” pode ter o sentido de uma nova frase, ou até mesmo de conjunção adversativa “mas”.
À vista de todo exposto, depreende-se que a simples partícula vav, traduzida geralmente por “e” pode ter significados bem mais abrangente. Atento a isso, mesmo as traduções mais literais, como ARC e ACF , traduzem o vav por outras conjunções, embora com muito mais relutância que a ARA, NTLH e NVI.
Com efeito, a escolha do significado não pode ser arbitrária, ou dependente do pressuposto teológico do exegeta ou tradutor, pelo contrário, deve advir do contexto. O contexto indicará o significado do vav.
Por isso, advogo a tese de que uma escorreita exegese depende do conhecimento do texto original. Como perceber essas nuanças sem o texto original? Como saber se a conjunção é realmente “para que” ou “e”, ou seja, se a oração expressa propósito ou mera adição?
Aqueles que não possuem acesso ao texto original, mas querem ter uma noção do texto, com vistas a se aproximar do original, devem consultar compulsoriamente outras traduções.
Assim sendo, quando nos depararmos com alguma conjunção ou com o mero conectivo “e” em nossas traduções, antes de extrairmos nossas ilações, e expô-las à igreja, devemos certificar-nos se de fato a tradução está correta.

3 comentários:

Alberto Costa disse...

Tales,
dado que muitos de nós não têm a competência específica ou o ferramental adequado, uma solução é exatamente fazer o que você fez nesse texto: cotejar versões puristas, paráfrases modernizantes e versões equilibradas entre o original e o vernáculo, evitando tirar conclusões dogmáticas onde o texto seja ambíguo e seu sentido não possa ser escolhido com suficiente certeza.
Fazendo isso, dificilmente chegaremos ao ponto de erro tão significativo que comprometa o Evangelho ou o ensino das igrejas - e sempre podemos cooperar uns com os outros em situações de dúvidas muito importantes.
Obrigado.

Anônimo disse...

Para traduzir,tem-se quer a cultura do lugar.E difícil,porque edtsmos distantes no tempo.Conhecimento do discurso dentro do contexto.Seu tedto e muito bom e elucidstivo.Particularmente o "e",entendo que e acrescentsdo nax traducões como conectivo.Abrscos a todos!Freyrstå.

Anônimo disse...

Desculpe,teclado menor que o dedo,por isso os erros.Fr.