terça-feira, 25 de agosto de 2009

PROFETA MALAQUIAS 4

5) Como entender e praticar Ml 3.7-18
Esse texto pode ser dividido em duas partes: 1ª) 3.7-12; 2ª) 3.13-18.
Na primeira parte do texto há um versículo muito conhecido da igreja, mormente neopentecostais. É o texto de Ml 3.10, gravado em quase todos os envelopes de dízimos e ofertas.
A grande questão é: esse texto é aplicável aos cristãos?

A) Deus repreende seu povo por causa da negligência e descaso para com a Casa do Senhor e por causa do desprezo e ignorância para com a ação de Deus.

i) entenda o contexto histórico do dízimo
O profeta Malaquias ordena o povo a trazer os dízimos, visto que a sonegação do dízimo implicava roubo a Deus (קבע ), ao passo que o pagamento do dízimo proveria mantimento para a Casa do Senhor.
O dízimo foi regulamentado pela Lei de Moisés (Dt 26.12; 12.6). A palavra hebraica traduzida por dízimo é מעשר e significa décima parte. O dízimo não era a única oferta que o povo deveria trazer ao Senhor. Havia outras ofertas e sacrifícios (Cf. Nm 29; Lv 12; Ex 23.14-19). Nas festas anuais a ordem era para que ninguém aparecesse de mãos vazias (Ex 23.15). Até no nascimento de uma criança havia necessidade de oferecer sacrifícios. Observe que Maria cumpriu esse mandamento.
O dízimo era destinado à manutenção dos levitas, órfãos e viúvas.
Não obstante a regulamentação do dízimo pela Lei de Moisés, a prática é muito antiga precedendo a Lei, de forma que desde o tempo dos patriarcas Abraão e Jacó o costume já existia (Gn 14.18-24; 28.22).
Assim sendo, depreende-se que o texto de Ml acerca do dízimo não visa regulamentar todo o sistema de ofertas do AT e tampouco apresentar uma promessa automática de bênçãos para aqueles que derem o dízimo.
O objetivo do profeta consiste em repreender a conduta negligente e o descaso do povo para com a Casa do Senhor. Com efeito, o pecado do povo não consistia apenas em sonegar o dízimo, mas em agir com total descaso para com a Casa do Senhor, conforme foi salientado no capítulo 1.
Tal conduta foi novamente ameaçada com a maldição do Senhor. Reitere-se que a maldição refere-se às maldições descritas em Dt 28 e que o povo conhecia muito bem por ocasião do cativeiro babilônico.
A propósito, o profeta Ageu já havia advertido o povo e proferido maldições contra a negligência do povo que estava mais preocupado com a própria casa em detrimento da Casa do Senhor, abandonando-a.
A fidelidade do povo nas contribuições, das quais o dízimo era uma, redundaria em copiosas e imensuráveis bênçãos.

ii) interprete o dízimo de acordo com o NT
Conforme já foi mencionado, a grande questão é: esse texto e sua respectiva promessa são aplicáveis à igreja do NT?
Convém reiterar que a interpretação, e, mormente a aplicação de certos textos do AT, devem se coadunar e passar pelo crivo do NT, sob pena de incorrer em equívocos.
Muitos, correndo grande perigo de se equivocarem, e sem qualquer análise prévia do texto e seu contexto, dão um grande salto interpretativo alcançando a igreja de hoje, de forma que a conclusão inexorável é que os dizimistas fiéis receberão grandes bênçãos. Mas esses saltitantes esquecem-se de explicar aos crentes se as nações chamarão a igreja de bem-aventurados, e ignoram totalmente as demais ofertas prescritas no AT.
Após a inauguração do período da graça com a descida do Espírito Santo em At 2, não há mais qualquer menção ao vocábulo dízimo. Isso não quer dizer que haja omissão no tocante a ofertas. Pelo contrário, vários textos do NT versam sobre ofertas: At 2.45; 4.32-37; 2Cor 8, 9; 1Cor 16.2; Gl 6.6; Fp 4.14, 15; 1Tm 5.17,18.
Os textos do NT atrelam as ofertas à manutenção dos obreiros e dos necessitados. Há forte ênfase na generosidade e voluntariedade, de modo que a doutrina do NT não precisou regulamentar especificamente a quantidade das ofertas como o AT fazia. Isso já não é necessário, porquanto a Lei do Amor de Cristo – amor sacrificial e incondicional – que agora rege a igreja prega a generosidade, a oferta da própria vida em favor do próximo. Desse modo, é anacronismo retomar o assunto sobre quantidade.
Portanto, creio que o texto de Ml pode ser aplicado não no sentido literal de que a igreja está obrigada tão-somente a dar o dízimo, recebendo, após a fidelidade, as bênçãos descritas em Ml. Até porque, além de haver outros tipos de ofertas, as promessas de Ml estão adstritas à nação de Israel, e se cumprirão cabalmente com a vinda do Senhor, quando o povo de Deus será bem-aventurado perante as nações.
O texto em apreço deve ser aplicado com vistas a repreender nossa atitude negligente para com a obra do Senhor no tocante às ofertas. De modo que, se dermos somente a décima parte de nossos rendimentos, podendo dar mais, mesmo assim estaremos em falta, visto que o NT nos ensina a darmos com ampla generosidade e voluntariedade, imbuídos de amor.

iii) entenda o desprezo e ignorância do povo.
Com efeito, a sonegação dos dízimos além de revelar a negligência do povo para com a Casa do Senhor, também denotava a ignorância do povo acerca da ação de Deus.

A dedicação do povo a Deus é representada pela fidelidade nas ofertas e pelo entendimento correto acerca da ação de Deus. De forma que, a sonegação das ofertas e ignorância acerca da ação de Deus representam desprezo e descaso do povo.
O povo achava que servir a Deus era inútil. A palavra hebraica traduzida por inútil é שוא e também significa vacuidade, nulidade, vazio. Ou seja, servir a Deus era um nada. De modo que não haveria diferença qualquer entre o ímpio e o justo, entre o fiel aos mandamentos e o desobediente.
Naturalmente, essa compreensão acerca de Deus refletia nos demais atos religiosos do povo. Como alguém se sentiria estimulado a dar o seu melhor sacrifício a Deus ou a ofertar com fidelidade se isso não trouxesse qualquer recompensa ou fizesse qualquer diferença?

iv) verifique e cumpra a mensagem desse trecho
À medida que ignorarmos ou desprezarmos o conhecimento verdadeiro da ação de Deus entre nós, e, consequentemente, não contribuirmos com a obra do Senhor, seremos repreendidos pelo Senhor, e, privados das bênçãos do Senhor, colhendo as maldições.

6) Como entender e praticar Ml 4.1-6
Introdução
Esse último trecho fecha o livro com uma mensagem acerca do juízo de Deus, e relaciona-se com o trecho anterior.
O livro do Profeta Malaquias é estruturado em forma de repetição de assuntos. O livro pode ser dividido em duas seções: repreensão e dia do Senhor. Na primeira seção (1.1-3.6), o livro começa com repreensão e termina com o dia do Senhor, repetindo a mesma ordem a partir de 3.7-4.6).
Assim sendo, concluindo a segunda seção, o profeta anuncia que o dia do Senhor virá trazendo castigo para os ímpios e cura para os tementes
No trecho anterior, o povo ofendeu a Deus ao dizer que não havia proveito algum em servir a Deus. A seu turno, a resposta de Deus é enfática e inequívoca: o dia do Senhor virá e trará a salvação para aqueles que temerem o Senhor e condenação aos ímpios.
Logo, o pensamento do povo não subsistirá ante o dia glorioso do Senhor.
Contudo, a vontade de Deus era que o povo se lembrasse de Sua Lei. Caso o povo não se arrependesse da postura negligente e apática diante do Senhor, a terra seria ferida com maldição. Com efeito, o povo entendia o significado e extensão da palavra traduzida por maldição, que é a última palavra do livro.
A palavra hebraica é חרם , transliterada por cherem , que significa coisa amaldiçoada e condenada. Essa palavra aparece em Js 6.17, de forma que Jericó é chamada de cherem. A imputação desse título a Jericó implicava que a cidade seria totalmente destruída, o que aconteceu, com exceção da casa de Raabe.
Portanto, o povo tinha pleno entendimento de que as consequencias seriam drásticas e terríveis, não muito diferentes do que ocorreu no exílio.

i) entenda o AT a partir do NT
Mais uma vez o entendimento preciso e correto de 4.5 só será possível se for cotejado com o NT. Porquanto Nosso Senhor Jesus afirma indubitavelmente que o Elias profetizado por Malaquias é João Batista (Mt 11.13,14; 17.10-13; Mc 9.11,13; Lc 1.17; 7.26-28).
Portanto, o livro de Malaquias é “o livro de João Batista”, porquanto em duas ocasiões o livro faz menção ao Profeta João Batista que anunciou a vinda do Senhor.
É interessante notar que nos dias de João Batista o contexto religioso dos líderes espirituais não diferiam muito do contexto de Malaquias. Pois os sacerdotes partidários dos saduceus estavam mais preocupados com questões políticas que religiosas. O partido fiel dos fariseus já havia se debandado para o legalismo e ritualismo desprovido de devoção genuína ao Deus de Israel.

verifique e cumpra a mensagem desse trecho
O profeta Elias já veio, o grande e terrível dia do Senhor se aproxima. Devemos estar preparados para esse dia, temendo o Senhor para que sejamos restaurados completamente e não condenados com os ímpios.

Conclusão
O livro do Profeta Malaquias é inspirado pelo Espírito Santo. Mas tal inspiração não retira do livro a característica de um livro que foi escrito originalmente em hebraico a aproximadamente 2.500 anos atrás, destinando a um povo que vivia num ambiente geográfico muito distinto do nosso.
Essa característica do livro impõe-nos várias barreiras lingüísticas, literárias, cronológicas, culturais e geográficas, que precisam ser superadas para uma correta compreensão da mensagem.
Para superar tais barreiras precisamos usar as regras hermenêuticas, pois via de regra o Espírito Santo não faz as vezes de um professor de português, hebraico, geografia, história, etc..
Ainda assim, por se tratar de uma literatura sui generis, especial, há necessidade premente do Espírito Santo abrir nossa mente e revelar-nos Sua palavra, pois senão seremos privados do correto entendimento das Sagradas Escrituras.
À vista disso, as regras hermenêuticas expostas no decorrer do livro podem ser sintetizadas assim:

1) Ore e busque o Senhor Deus por meio de Jesus Cristo, a fim de que envie o Espírito Santo para o iluminar
2) Estude nosso vernáculo, a língua portuguesa, a sintaxe e morfologia, e, se possível as línguas originais, tendo sempre em mãos outras traduções em português (NVI, ARA, ARC, ACF, BJ, etc.).
3) Não se esqueça de atentar para o contexto do texto, a idéia preponderante do trecho, o propósito, a mensagem.
4) Considere o tipo literário do livro (profético, histórico, sapiencial, doutrinário, epistolar, apocalíptico, poético).
5) Estude o contexto histórico, cronológico, cultural e geográfico, considerando os textos bíblicos paralelos relacionados e outras fontes de pesquisa extrabíblicas, como dicionários, comentários, etc..
6) Atente para a distinção que há entre o período do AT e do NT.
7) Extraia e apreenda a mensagem do livro.
8) Cumpra a mensagem pela graça do Senhor e auxílio do Espírito Santo.
9) Considere eventual problema de crítica textual.

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